quinta-feira, 5 de maio de 2011

Sobre improvisos, tradições e quebras de tradições

Em todos os trabalhos que fiz em cinema, sempre me vi frente à textos, personagens e narrativas realistas. Para não dizer todos, tentei fazer um curta (Um Mar Qualquer) uma vez que não deu muito certo, mas cuja tentativa me interessa até hoje (ainda vou voltar nesse assunto aliás, me interessa muito). Todos meus outros 6 curtas, bem como as 3 peças curtas que dirigi, bem como os 3 longas em que fiz preparação de elenco, todos seguiam uma lógica do realismo, causal, concreta, pé-no-chão. Mas eu sempre fiquei incomodado com isso, em alguma instância. Não que considere menor o realismo, nem nenhum destes trabalhos. Mas sempre houve algo em Pinter, Beckett, Joyce ou Proust que me interessava muito mais.

Agora que me lancei na loucura de dirigir um Pinter, e com atores maravilhosamente inteligentes e disponíveis para o jogo (se não fossem eu estaria cometendo suicídio agora mesmo, em vez de estar tão instigado escrevendo sobre o processo, ou seja, como sempre disse, casting é quase tudo - quase, e já vou explicar porque), me vejo FINALMENTE, apenas agora, aos 30 anos, me enfrentando ao que sempre quis tentar enfrentar. Em "Um Mar Qualquer", o tal curta, tentei fazer isso, era um curta muito inspirado em Pinter, em que uma família comum de classe média carioca vivia situações de um realismo retorcido, como a filha mais velha (Bianca Comparato) assumir a função de empregada doméstica da casa, o pai (Herson Capri) ser totalmente ridicularizado pelo filho de 10 anos (Lucas Capri), ou a mãe (Susanna Krueger) falar tanto, mas tanto, que o pai tem um infarto e morre... Com o tempo entendi que, independentemente do roteiro do curta ser mais ou menos primário nessa tentativa de distorção, o fator mais importante para a impotência artística do filme foi a minha direção de atores. Os atores (que eram, também, inteligentes e disponíveis) simplesmente não tiveram nenhuma ajuda minha no sentido de tentar entender que lógica retorcida é essa afinal, essa que evidentemente não é a lógica realista, a qual estamos tão acostumados. Aquilo que eu já intuía ao escrever o roteiro era algo que eu não tinha a mais mínima ideia de como explicar, como proceder com os atores. Então simplesmente ficava pedindo a eles para que fossem "o mais natural possível". Eles confiaram em mim, e o filme está realmente muito natural, mas essa inépcia - da direção de atores, escolhas do diretor, não dos atores individualmente - enfraquece completamente o filme. A direção de atores despotencializou os atores.

Agora, 5 anos depois deste curta, depois de ter passado por muitos outros trabalhos, e com um texto MUITO mais interessante do que aquele meu roteiro, agora com o texto de um Harold Pinter, me vejo pela primeira vez com a possibilidade de tentar construir alguma coisa dessa ordem junto com os atores, não impondo a eles uma forma boba que não dá conta de nada, mas sim entrando junto com eles nessa lógica retorcida. (Sentimento de coração disparado, descobertas diárias, parece que absolutamente tudo o que já fiz até hoje é uma grande bobagem e meu deus como eu queria ter 20 anos porque perdi muito tempo antes de finalmente fazer o que, afinal, eu sempre soube que queria desde que, aos 19 anos, vi uma montagem de A Volta ao Lar em Londres... Mas enfim, ao mesmo tempo não, ao mesmo tempo a noção de que tudo isso é por tudo o que passei, os longas, trabalhar com o Kike Diaz, errar naquele curta, ficar mais velho, etc. De todos os modos, parece uma viagem meio sem volta).

O que temos feito, agora, é tentar encontrar esse texto, encontrar estes personagens, como sempre fiz em qualquer filme, mas ao mesmo tempo de uma forma completamente diferente. No texto existem 3 personagens, muito claros, muito bem definidos, a esposa Kate (Paula Braun), o marido Deeley (Otto Jr.) e a amiga da esposa, Anna (Cristina Flores). Os impulsos, vetores de força, objetivos, seja qual for o termo, aquilo que eles querem, a situação enfim, é muito clara também: Kate observa enquanto Anna e Deeley entram numa competição meio absurda por ela. Deeley tem ciúmes de Anna, Anna parece querer provar que a amizade delas é muito mais forte do que o casamento, e Kate observar, tentando dar conta de duas pessoas brigando por ela, tentando entender. Até que no final, Kate explode. Acumula, acumula e explode. Mas a forma com que as coisas acontecem, são ditas, tudo é de uma ambiguidade atroz, o que uma pessoa diz aqui pode ser desdito por ela mesma logo ali na frente, e a mesma estória que um conta pode ser usada pelo outro, logo depois, e recontada de forma totalmente diferente. E nenhuma das duas parece ser “a verdade”, parece não existir a verdade. Sem que sejam mentiras.

Uma coisa que sempre me incomodou no cinema em geral (e me incomoda na maior parte do cinema, por isso sempre brinquei que não gosto de cinema, gosto de Cassavetes, Bergman, Tarkovski e mais um ou outro que passou por ali) é que na maior parte dos filmes (e na verdade na maior parte das peças também, sejamos justos) os personagens são apenas aquilo ali mesmo. Apenas aquele recorte. Aquele cara acordou, pegou uma arma, saiu na rua, assaltou um banco, tal ou tal coisa acontece com ele, acaba o filme e aquele cara não existe, é só uma desculpa pra se fazer um filme. Nada a ver com Dostoievski. Raskolnikov não acaba quando vai pra Sibéria e se ajoelha arrependido aos pés de uma mulher. Raskolnikov é eterno porque é o ser humano. Não um ser humano apenas, particularzinho, com seus probleminhas tacanhos – o ser humano. A prostituta Jeannie de Gena Rowlands em Faces é a mulher, assim como a Mabel de Uma Mulher sob a Influência. É uma mulher apenas, mas a dimensão de depoimento sobre o ser humano que estes artistas (Dostoievski em um caso, o coletivo organizado por Cassavetes em outro) alcançam faz com que o simples, o uno, se torne universal. Apenas aquela pessoa ali, mas nela o universo.
(nota mental: Desconfie de personagens “complexos”. Geralmente eles são os mais rasos).

A tentativa que eu tenho feito nos filmes em que faço preparação de elenco ou nos meus curtas é a de pegar aquele personagem que, no roteiro, existe apenas entre 100 páginas, 2 meses de filmagem ou alguns dias, meses ou anos dentro da ficção, e estendê-lo, fazê-lo maior, com uma vida completa, cheia de situações, possibilidades e estórias para além do roteiro. Por isso sempre trabalhei com improvisações de situações que não estão no roteiro, mas que se relacionam com ele. Seguindo essa lógica, um filme em que um policial está deprimido em casa porque foi demitido da corporação pede uma improvisação em que o policial seja demitido, talvez outra em que ele conta isso pros amigos, talvez outra em que ele chega em casa e tem vergonha de contar pra filha - mesmo que estas cenas não existam no roteiro (exemplo tirado do filme "No Meu Lugar", do Eduardo Valente;  policial era o Márcio Vito, a filha a Nívea Magno). Em outro filme, o pai do protagonista morreu recentemente. Improvisação quase óbvia, mas extremamente eficaz: o dia em que o pai morreu. Digo a ele que estamos numa época em que o pai está vivo ainda, e crio um conflito para que ele e a mãe briguem. No meio de tudo, sem avisar, peço a outro ator para entrar e dar a notícia da morte do pai. No calor da discussão, sem estarem preparados, os dois sofrem uma catarse impressionante. Se estabelece ali para o protagonista o buraco que é a morte do pai, que vai gerar toda sua jornada no filme (o filme é A Coleção Invisível, de Bernard Attal, e o ator Vladimir Brichta). Em outro ainda, a relação de uma jovem médica e seu namorado precisa de uma superficialidade pois a questão é justamente que ela não consegue nunca se apaixonar por ele. Parto pra jogos, brincadeiras, mas nunca uma improvisação muito profunda - a não ser para a cena final, em que ela deixa ele, e para a qual fazemos uma preparação diferenciada (Hermila Guedes e João Miguel no filme de Marcelo Gomes provisoriamente intitulado Era Uma Vez Verônica).

Só que este procedimento, bastante "stanislavskiano", e que eu chamo de "criar memórias emotivas do personagem" - do personagem, não do ator - não dá conta de uma peça de Harold Pinter ou de Samuel Beckett. O problema então, a questão, o desafio, é o de se procurar uma forma de trabalhar o ator na dramaturgia contemporânea. (E não me venham dizer que Beckett e Pinter não são contemporâneos, que nada até hoje foi feito mais contemporâneo do que eles. Quero ver. Lagarce, Novarina, Koltés, Jon Fosse, todos eles, a mesma galera, farinha do mesmo saco). Essa questão me foi colocada pela primeira vez em 2000, pelo diretor Rubén Szchumaker, argentino genial que deu um curso em Madrid que se intitulava "O Ator na Dramaturgia Contemporânea". Eu tinha 19 anos, foi logo depois de ver Pinter pela primeira vez, fiquei fascinado. O curso foi incrível e tudo o que ele disse ficou guardado até hoje, apesar da minha memória péssima. Ele falava da necessidade do ator compreender o texto em toda sua lógica não-realista, mas que essa compreensão não podia ser apenas intelectual, mas também orgânica. Tão simples, tão preciso.

Quando voltei pro Brasil percebi que existem, pelo menos no Rio de Janeiro, muitas pessoas interessadas nessa mesma questão, e por isso corri atrás de trabalhar com o Kike. Ele sem dúvida é um ponto de referência para essa pergunta. Trabalhando com ele e observando a cena à nossa volta percebi uma coisa curiosa. Vi, e continuo vendo, muitas peças e muitos colegas tentando lidar com essa questão sem muitas ferramentas para isso, e muitas vezes dá a impressão que artistas comprometidos e bem-intencionados dão tiro na água porque não sabiam muito onde mirar. Do mesmo jeito que eu atirei na água com o meu curta. Textos contemporâneos dirigidos sem nenhuma direção de atores, ou com direções de trânsito (aqui faz mais rápido, aqui grita), sem nenhum resultado. Só fui começar a entender isso vendo o Kike trabalhar no In On It. Trabalhar do jeito dele, errático, inseguro, sempre consciente de que pode estar tudo errado e disposto a jogar tudo fora - absolutamente genial. 

O Kike tem um jeito bem particular de trabalhar, trouxe o famigerado Viewpoints quando voltou de Nova York, mas seja lá o que for o Viewpoints com certeza não é algo que ele segue, como um método, mas sim uma ferramenta que ele utiliza para brincar, experimentar coisas, quando ele quiser está lá, mas não é um "método" (essa palavra, aliás, deveria dar calafrios a qualquer um). Logo que comecei a trabalhar com ele, conversamos sobre uma coisa que me deixava um pouco tenso. Eu via (e continuo vendo, aliás) muitos atores e diretores estudando Viewpoints (que, simplificando muito, por mim que nunca estudei a fundo o assunto, é uma técnica que parece visar, em última instância, fornecer ao ator uma liberdade total para usar seu corpo e sua voz no espaço e na relação com os outros - e aqui a palavra fornecer é importante, porque liberdade é a coisa mais difícil de se alcançar), usando Viewpoints como forma básica de criação dramatúrgica, e tudo isso me parecia muito interessante... Mas eu via (e continuo vendo) também uma tentativa de colocar isso num lugar de formação de ator, anterior a qualquer outra formação. Peças em que o viewpoints parecia ser o espetáculo em si, não o caminho para um resultado outro, e jovens que, fascinados com o Viewpoints e com o que entendem que seja o teatro contemporâneo, começam a achar que personagem não existe, narrativa não existe, nada existe, nada é nada. O não-lugar, o não-ator. (Nada a ver com o que o próprio Kike faz, diga-se de passagem). Pode ser interessante essa investigação, principalmente do ponto de vista do encontro do teatro com as artes plásticas. Confesso que conheço menos do que gostaria. De todos os modos, se em algum momento vai me interessar esse não-ator, essa não-dramaturgia, não sei, mas estou aberto e curioso, sempre. Por hora, a investigação que me interessa é a do ator na dramaturgia contemporânea. Porque a dramaturgia que resulta dos procedimentos que o Kike Diaz faz sobre Hamlet ou A Gaivota não me parece tão distante, do ponto de vista do trabalho do ator, da dramaturgia de um Pinter, ou Lagarce. Em última instância, me parecem apenas formas distintas de lidar com o problema da pós-modernidade. Como disse o Umberto Eco:

“A resposta pós-moderna ao moderno consiste em reconhecer que o passado, já que não pode realmente ser destruído, pois sua destruição leva ao silêncio, precisa ser revisitado: mas com ironia, não inocentemente. Eu penso na atitude pós-moderna como a de um homem que ama uma mulher muito culta e sabe que ele não pode dizer a ela, “te amo enlouquecidamente”, porque ele sabe que ela sabe (e que ela sabe que ele sabe) que essas palavras já foram escritas por Barbara Cartland. Ainda assim, há uma solução. Ele pode dizer, “Como Barbara Cartland diria, 'te amo enlouquecidamente'”.

Ou seja, essa consciência de que estamos aqui, fazendo isso. Estamos em cena, fazendo uma peça de teatro, não vamos enganar você, não vamos fingir que é de verdade. Mas ao mesmo tempo é. É mentira, mas ainda assim dói. É ficção, mas ainda assim é verdade. Ficção é verdade. Se eu digo, está dito, não tem jeito, passa a ser verdade. Como a questão da obra de arte, "o que é e o que não é arte? / Bom, se eu penduro na parede e digo que é arte, então é. Se é bom, aí já é outra coisa..."
Uma peça que colocou essa questão de maneira brilhante foi uma que vi recentemente, "Ninguém Falou que Seria Fácil", do Felipe Rocha (peça que está em cartaz agora, junto de um monólogo dele também genial). Em cena, ele, Renato Linhares e Stella Rabelo parecem se dividir entre quem faz qual personagem a cada momento, entre um pai uma mãe e uma filha. Um momento que ficou marcado pra mim, o momento em que Felipe pede à Stella, posso fazer a filha?, e Stella nega, repetidamente, ele insiste, insiste, até que começa a chorar, e segue insistindo cada vez mais choroso e infantil - vai se tornando a criança enquanto pede pra fazer a criança. O próprio impulso de querer fazer a criança é o que o torna criança. Esse procedimento é de uma lucidez que me impressiona. Tão simples, tão preciso.

Do texto da peça Outros Tempos, do Pinter:
ANNA: Há coisas que eu lembro que talvez nunca aconteceram, mas como eu me lembro delas, elas passam a ter acontecido.

Os três personagens da peça estabelecem essa disputa estranha em que estórias do passado são contadas, mas elas nunca parecem se referir realmente ao passado – elas sempre são usadas como vetores para atingir o outro, para estabelecer uma posição, para provar ali no coletivo que eu sou o que tem o melhor passado. Ou seja, uma peça que só fala do passado, sem nunca falar do passado. Eles inventam e reinventam essas estórias, as tornam absurdas, impossíveis, poéticas, trágicas. Tudo de acordo com o que querem alcançar:

KATE:
Me lembro de você estendida, morta. Você não sabia que eu estava olhando. Me curvei sobre você. Seu rosto estava sujo. Você estava estendida, morta, com a cara toda rabiscada de terra, várias frases sérias, mas a terra ainda estava úmida, escorrendo pelo seu rosto, descendo até o pescoço. Seus lençóis estavam imaculados. Fiquei contente. Me deixaria triste ver o seu cadáver em cima de lençóis sujos. Teria sido deselegante. Quero dizer, no que me dizia respeito. No que dizia respeito ao meu quarto. Afinal você estava morta no meu quarto. Quando você acordou meus olhos estavam sobre você, fixos em você.

Essa passagem por exemplo é absolutamente inviável do ponto de vista realista (você estava morta, depois você acordou?), e por sê-lo, acontece uma coisa engraçada. A grande maioria das pessoas que lê o texto ou vê a peça (digo por diversos textos que li sobre a peça ou por nós mesmos, que a estamos montando agora) sempre, num primeiro momento, se apega a esse texto especificamente para tentar entender a complexidade da peça, pensando por exemplo que talvez Anna esteja morta, Kate a tenha matado, e matado a Deeley também e assim Anna e Deeley aqui seriam fantasmas e tudo se passaria na cabeça doentia de Kate. Bom, é uma possibilidade? Muito pouco interessante me parece, e não vejo nada no texto que indique isso. Me parece que há, ainda, em 2011, uma tendência nossa a tentar explicar tudo pela lógica narrativa clássica. Tudo isso ser o delírio de uma mente doentia é a lógica narrativa clássica. É um pouco como a dificuldade que algumas pessoas ainda tem com a arte abstrata, ou até mesmo moderna (com a contemporânea, nem se fala).

Investigando com os atores, chegamos a alguns pontos que nos firmaram com o pé no chão:
  • Existem 3 personagens, claramente definidos, e os impulsos entre eles são bem definidos.
  • A lógica com a qual eles vão lidar com esses impulsos não é muito clara, mas evidentemente lida com o passado, sempre estão contando o que aconteceu no passado (vi você, você fez, ele veio, nós fomos). É através da distorção dessas estórias que eles vão se relacionar.
  • Tudo é um jogo entre eles – mas isso não quer dizer que eles não se comprometam, que não estejam íntegros nesse jogo, eles se importam, são afetados pelo jogo. No final, segundo as rubricas do Pinter, Deeley chora aos soluços e Anna tenta ir embora e não consegue...

Bom, uma vez que é evidente no texto, por exemplo, que o ciúmes que Deeley sente de Anna é o que o move a chafurdar em incontáveis tentativas de prevalecer sobre ela contando estórias de como ele é um homem especial (por exemplo quando ele, de repente, diz que fez uma filmagem na Sicília e que seu nome é Orson Welles), não faria sentido deixar de trabalhar, em alguma instância, a relação entre esses personagens de uma forma, digamos, “stanislavskiana” - relação de casal, ciúmes de homem, amigas que tem uma amizade mais sexualizada do que o normal, etc, tudo parece precisar ser construído com os atores, para que exista, para que esse ciúmes do Deeley ressoe como verdadeiro, para que ele se comprometa. Porém, não adiantaria simplesmente inventar uma estória pregressa para os atores e pedir para eles “acreditarem” em seus personagens através de improvisações do passado, como faço no cinema realista. Então o quê? Chegamos essa semana a uma coisa interessante. A ideia de improvisação dentro dos limites que a própria peça impõe. Adoro trabalhar com limites, sempre gostei. Improvisamos situações do passado de Anna e Kate, mas Deeley tinha que estar presente, aqui, agora. É o passado mas não é, é o presente. É como se elas “fizessem” o passado para ele ver. Ao mesmo tempo, improvisações do subtexto (sim, outra palavra que assusta a alguns, como se fosse antiquada), para que se entenda emocionalmente o que diabos Anna quer aqui, porque Deeley sente tantos ciúmes, porque Kate fica quieta e não diz nada. E ao mesmo tempo, o tempo todo, improvisando a ideia de que eles estão inventando todas estas estórias, para atingir ao outro e o seu próprio objetivo. O que faz com que a lógica interna não seja realista. Me veio à cabeça, no final de um ensaio, um termo absurdo para tentar definir o que estamos tentando fazer: “Stanislavski cubista”. Comprometido com uma lógica interna de personagens, mas a cada minuto o ponto de vista dessa lógica interna pode mudar completamente. Como um jogo mesmo. Mas o mais importante, e talvez o mais difícil, é a consciência, o tempo todo, de que estamos criando essas estórias aqui, agora, durante o espetáculo. Talvez Stanislavski cubista presentificado?... enfins... besteira dar nomes pomposos, mas acho que o que quero dizer é que acho muito bobo fingir que personagem não existe quando existe, confundir ir além de Stanislavski com fingir que ele simplesmente não existiu...

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