terça-feira, 3 de maio de 2011

O que já aconteceu

Como eu quero usar isso aqui ao longo do processo, como um diário de bordo, mas só criei o blog agora que já começaram os ensaios, um rápido up-to-date do que já aconteceu:

Sempre fui apaixonado por Pinter, desde os 19 anos quando vi uma montagem incrível de Homecoming em Londres. Foi o cara que me fez querer dirigir teatro, assim como foi o Cassavetes quem me fez querer dirigir cinema. Só que nos últimos anos eu tenho sido meio relapso com o teatro - apesar de ter estudado mais teatro que qualquer outra coisa, o cinema e a televisão me sugaram quase todo o tempo ultimamente, fora uma ou outra eventual escapada como assistente de direção, tradutor e até ator. Fazendo assistência pro Enrique Diaz na peça In On It, reencontrei a vontade não só de dirigir, mas de dirigir um Pinter - Kike se referia bastante ao Pinter nos ensaios. Ao mesmo tempo, nos últimos 3 longas em que trabalhei fiz preparação de elenco - função nova, curiosa, criada no cinema brasileiro, que me proporcionou a possibilidade de me dedicar integralmente por várias semanas àquilo que mais gosto de fazer, dirigir atores. Tudo isso junto trouxe de volta a coceira de dirigir teatro, e de cara pensei no Pinter. Eu e a Cristina estávamos querendo fazer uma peça juntos há tempos, eu falava sem parar do Pinter, e foi ela quem um dia apareceu com uma xerox de uma peça quase desconhecida por aqui. Era Old Times. Lemos, nos apaixonamos, e começamos a buscar os parceiros. Encontramos Otto Jr., ator maravilhoso e querido, depois Paula Braun, idem ibidem, atores inteligentes que não reduzem um texto como esse, ao contrário, o elevam. Fizemos algumas leituras preliminares, pra todo o mundo se conhecer, se encontrar. A leitura com o Domingos e o PC foi ótima, muito bom ter o iluminador e o diretor de arte presentes desde o começo do processo, presentes, opinantes, participativos. Não consigo entender esses iluminadores que só aparecem no ensaio na semana da estréia, eles acham que entenderam alguma coisa da peça?... Enfim, um luxo a equipe, alto nível de discussão.

O desafio inicial num Pinter sempre é o de tentar entender, o texto é ao mesmo tempo complexo e simplérrimo: um casal espera uma antiga amiga dela para jantar. Ele pergunta sobre essa amiga, essa visita que a mulher não vê há muito tempo. Eram muito amigas, em Londres, quando mais jovens. A amiga chega, e o que vemos ao longo do espetáculo é a longa conversa dos três após o jantar. Bastante simples aparentemente, fora o fato de que essa conversa começa a ficar um pouco estranha - a visita e o marido começam a entrar numa espécie de disputa, de regras indefinidas, para ver quem teve um passado mais interessante com Kate, a esposa. A amiga fala de como elas eram felizes quando moravam juntas, o marido conta o primeiro encontro, a primeira transa... A Kate se torna uma espécie de troféu, e os dois parecem disputá-la de uma forma clara mas não explícita. Aliás, cada vez me parece mais perfeita essa equação para essa peça: claro porém não explícito. Seria estúpido tornar o Pinter hermético, ele nunca o foi. Tem que ser claro. Mas ao mesmo tempo, faz parte da lógica do texto uma ambiguidade atroz - tudo pode ser uma outra coisa completamente diferente. Porque a estória que um ou outro personagem conta pode ser verdade e pode não ser, pode ser apenas uma forma de tentar impor a sua verdade, a sua versão da estória. Tanto é assim que eles se contradizem o tempo todo. Por isso a necessidade de estudar esse texto em profundidade, antes de começar a inventar qualquer coisa. Mas estudar fazendo, com os atores, pra não ficar cerebral demais... desafio, desafio desafio

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