quarta-feira, 25 de maio de 2011

Pinter e Cassavetes



Essa semana entramos numa parte do texto muito difícil, em que Anna e Deeley começam a competir por Kate cantando antigas canções, criando uma situação ao mesmo tempo constrangedora e engraçada. Pelo menos essa é a nossa concepção da cena, pois o Pinter só diz "Deeley (cantando)" e "Anna (cantando)", seguido da letra de uma música antiga. Mas analisando o texto e seguindo a mesma lógica de que eles estão sempre se bicando, competindo de formas diferentes pela atenção de Kate, chegamos a esse desenho, de que eles estão competindo pra ver quem lembra das canções antigas que Kate adora. Nosso desafio é criar na cena esse constrangimento: de repente, do nada, uma das pessoas na sala começa a cantar uma música, a outra interrompe com outra música, e os dois começam a competir pra ver quem canta a música que mais vai agradar à terceira... patético, constrangedor, e absolutamente humano. Impossível não lembrar dessa cena de FACES, de John Cassavetes, filme que já vi dezenas de vezes, literalmente - a ponto de me perguntar se realmente o filme lembra tanto a peça ou se é a minha obsessão com o filme que me faz querer adaptar o mundo àquelas imagens. Nelas, dois amigos dançam com uma prostituta (Gena Rowlands), animados, felizes, até que (por volta do minuto 3:30), ela começa a dar mais atenção a um deles, e o outro começa a se sentir excluído, começa a cantar mais alto, espernear, fazendo de tudo pra chamar a atenção. Até que a mulher percebe, se aproxima dele, tentando fazer um carinho, o abraça, e então ele pergunta, seco, "quanto você cobra?". Patético, constrangedor, e lindamente humano. Como Dostoievski. Como Pinter.

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